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Quilombolas: será que eles sabem o que são?

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Quilombolas: será que eles sabem o que são? Empty Quilombolas: será que eles sabem o que são?

Mensagem por Alexandra Santos Dom Nov 23, 2008 6:08 pm

Boa noite pessoal,

Gostaria de compartilhar com companheiros pesquisadores e membros de comunidades de remanescentes uma preocupação latente. Acabo de retornar de uma viagem de campo realizada em uma comunidade quilombola que recebeu a certidão de auto reconhecimento da Fundação Cultural Palmares, a comunidade de Santo Antonio de Pinheiros Altos.
Nos dias em que estive na comunidade, tive a oportunidade de conversar com os moradores e perguntar-lhes o que significava ser quilombola. Para minha surpresa, embora todos soubessem me dizer que agora eram “carambolas” ou “calhambolas”, não puderam me dizer o porquê eram chamados desta forma.
Os mais desinibidos me disseram que era porque eram pretos, mas não sabiam de mais nada. Diziam até que não entendiam porque estavam chamando disso. Mas sabiam que ser quilombola poderia trazer algum beneficio para a comunidade. Alguns me disseram que talvez o asfalto chegasse na comunidade depois desta certidão.
Entendo que o processo ainda é inicial e que há uma grande responsabilidade dos extensionistas rurais, bem como nos pesquisadores da questão, e aí me incluo duas vezes, no processo de construção identitária destes povos. Entretanto, penso que esta construção deve partir da valorização e da motivação em se preservar os costumes (em Santo Antonio há uma notável busca pelo urbano). Mais que auto identificação, eles precisam de, realmente, se auto reconhecerem. O encapsulamento de um grupo em um conceito é muito sério.
Penso que é chegada a hora de repensar, mais uma vez, o conceito de quilombo, permitindo, finalmente, que os quilombolas se definam como tais. Será que nós, pesquisadores, não continuamos com uma visão utópica e fantasiosa (teatralizada diria Ilka Boaventura) do que sejam estas comunidades?
Gostaria de compartilhar minha preocupação e de ter informações sobre as forma pela qual meus colegas estão se inserindo neste processo. Como as comunidades com as quais vocês têm contato se percebem como quilombolas? Como os membros quilombolas do Fórum se percebem como quilombolas? O que é ser quilombolas para vocês?
Creio que este assunto será tema da pauta do encontro desta semana em Contagem. Espero poder, também aqui no Fórum, debater sobre a questão, que vejo como premente, com vocês.


Axé a todos, Very Happy
Alexandra Santos
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Mensagem por João Batista Ter Nov 25, 2008 2:10 pm

Alexandra Santos propõe discussão a partir de seu contato com uma comunidade negra que foi reconhecida como quilombola cujos membros não sabem quais os conteúdos dessa etnicidade política que os recobre nesses momentos hodiernos de sua trajetória histórica.
A partir dos meus contatos com dezenas de comunidades negras rurais norte mineiras que foram e estão tendo sua etnicidade quilombola reconhecida pelo Estado Nacional brasileiro a partir da referência constitucional contida no artigo 216 e no emblemático art. 68 Atos Transitórios e pelo conhecimento de suas trajetórias históricas passo a refletir sobre a questão desta identidade étnica.
Em primeiro lugar, as comunidades negras têm com as comunidades que as circundam e com a sociedade que as encompassam relações baseadas em discriminação, estigmatização, criminilização e exclusão pelo fato dos seus membros serem em sua maioria negros. Essas populações conhecem todos esses processos sociais, que muitas vezes beiram à evitação. A cor da pele e o modo de vida são estigmas que procuram tornar invisíveis. Constroem estratégias de apagamento da cor da pele pela introdução de pessoas brancas nas relações matrimoniais ou pela enunciação de que são "morenos" ou, também, descarte de manifestações culturais que os vinculem à matriz africana, tais como toques de tambores, danças, saberes tradicionais vinculados à feitiçaria, etc... etc...
Em segundo lugar, há a historicidade dessas populações que decorrente da forma que a sociedade nacional delas se aproximou no processo de expansão da fronteira agrícola, no escopo da modernização perversa da economia brasileira, forçou o estabelecimento de estratégias de elevação de alguns eventos e fatos que passam a ser enunciados e outros que são "apagados" na perspectiva de uma amnésia estrutural, ou seja, não evidenciar eventos e fatos que os mantenha nos processos sociais discriminatórios, estigmatizadores e criminilizadores dos negros brasileiros. Os eventos e fatos escolhidos para serem enunciados possuem condições de resposta aos paradigmas da sociedade modernizada que os encapsulou. Em Brejo dos Crioulos, por exemplo, no trabalho de campo que fiz para a pesquisa não conseguia ultrapassar a geração que em 1930 passou a deter um documento da terra, feito no tempo da divisão. Havia uma amnésia estrutural. Tudo o que ocorrera antes não interessava porque seus direitos estariam vinculados a documentos. A memória é, assim, desqualificada. Falar de escravidão? Prá que? Que eram escravos fugidos? Prá que? Isto os desqualifica diante da sociedade que os circunda e da que os encapsula. Mas, é possível perceber "ruídos", como definido na teoria da comunicação, que nos permitem perceber a existência do "apagamento" da historicidade e da construção da amnésia estrutural. Com o passar do tempo, quando perceberem, a partir de um trabalho sério dos pesquisadores que como mediadores caminham juntos para a compreensão da lógica que norteia a etnicidade política quilombola.
E, por fim, a questão da política da identidade. Na perspectiva de Castells, a etnicidade quilombola é uma identidade legitimada. E essa legitimação está inscrita da Constituição Federal Brasileira de 1.988 que nasceu da articulação da sociedade civil propondo a si mesma uma outra sociedade, uma sociedade "ideal", a ser construída na luta dos movimentos sociais. Não é o Estado-Nação que os legitima como quilombolas, mas a Sociedade Brasileira durante a Constituinte que conduziu seus legisladores a afirmarem a existência dessas populações como grupos étnicos que vêm sofrendo no processo histórico nacional a exclusão, a discriminação, a estigmatização e a criminalização pelo fato de serem descendentes de africanos que para cá vieram escravizados e milhares que já nasceram escravos aqui. Com diz Arruti, essa é uma etnicidade federal. Se pouco sabem do conteúdo que contem esse signo identitário, cabe aos "mediadores" intelectuais, numa perspectiva de metodologia dialógica, contribuirem para permitir atravessar conhecimentos teóricos e do próprio grupo e construir uma outra visão de mundo, subalterna, que reconheça o valor de suas vivências para que atuem como plenos sujeitos de direito e cidadãos, também, plenos.
A dívida é nossa e não deles! Não coloquemos em suas costas a nossa incapacidade de incluí-los em nossos processos políticos de sociedade justa, democrática e cidadã.
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Mensagem por carlos Ter Nov 25, 2008 9:16 pm

A despeito da resposta do professor Joba sempre correto e um grande conhecedor da questão, continuo achando que a questão colocada pela Alexandra permanece. Tbém não irei responde-la só irei complicar mais um pouco...
É sim dúvida deles também (quilombolas), pelo menos em uma comunidade na qual trabalhei essa dúvida é atroz. Na próxima quinta-feira participo de uma banca com um trabalho com cerca de 200 páginas em que a autora após um trabalho entre os membros de uma comunidade chega a mesma conclusão e com dados de que mesmo entre as lideranças existem dúvidas do que seja quilombolas. Aliás existe mesmo uma inverção a se considerar quilombolas não eles e sim os operadores do poder público (de certa forma nesse caso quilombo não se trata de identidade e sim de um programa multiplos por parte do pdoer público e mesmo da sociedade civil). Veja bem com isso não desconhecemos se tratar de uma identidade em termos políticos e da importância da mesma: e ai leitura obrigatória além Castells, Weber, Barth, Carneiro da Cunha, Cardoso de Oliveira,e etc.
Posto isto acho a questão proposta interessante, no meu caso (e acho que não preciso falar isso né) sou totalmente a favor dos quilombolas (sou até conhecido por ser radical nesse assunto) mas no entanto do ponto de vista acadêmico tenho cada vez mais pensado, lido debatido e escrito (para mim mesmo por enquanto) sobre esse ponto levantado pela Alexandra. Aliás estou Eu e a colega Lilian (que tbém é desse Fórum, do Fórum do Incra, do GT RTQ-MG e do Nuq como eu) a escrever um artigo para o Méxio onde discutimos entre outros pontos a questão da semantica da palavra quilombola e trato especificamente do uso dessa palavra e de sua leitura estreita pelos operadores do direito o que leva ao invés de uma política emancipadora a mais uma forma de perseguição a esses grupos. Aqui não se trata de discutir a boa intenção do legislador e por consequência da sociedade brasileira a respeito do tema e sim a forma que ese debate tomou e ai cabe sim questionar o uso do termo quilombola...poderiam ter optado por comunidades negras ou algo similar ... aliás em minha dissertação mostro que o uso da palavra quilombo pode ter sua origem política em um livro seminal (a quem rendo homenagens na dissertação e tão desconhecido da maioria) de Abdias Nscimento, chamado: O Quilombismo e sua definição de sentimento quilombista (algo maravilhoso). Mas algo que não diz respeito ao dia a dia desses grupos. Ai sim concordo com Joba cabe a nós no trabalho de mediador mostrar aos nossos parceiros que aquele modo de vida dele, sua organização é exatamente o que Abdias chamava de sentimento quilombista e o que o legislador quis aprovar com o art. 68, e demais legislações e construções teóricas. Posto isso veja que a questão colocada é sim importante e em uma dupla dimensão: tanto para os quilombolas quanto para o restante da sociedade não familiarizada com o tema.
Enfim não ajudei no debate e trouxe mais confusão mas o grupo é para isso mesmo. Aqui para mim não se trata de uma oposição a identidade quilombola mas sim do conceito que se utiliza para esa política (discussão essa aliás que Ilka, Arruti, Alfredo Wagner,o próprio Joba já fizeram)...
Ps: dado a minha correria desses dias não fiz uma revisão do texto acima, espero que tenha algum sentido e poucos erros de português e de digitação.
Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG
Membro do Grupo de Trabalho sobre Regularização de Territórios Quilombolas de Minas Gerais (GT RTQ-MG)
Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG)
Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)
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Mensagem por João Batista Qui Nov 27, 2008 1:58 pm

Carlos,
A realidade é mais caótica que o real, sendo este uma construção metódica das ciências.
Há na realidade social brasileira comunidades negras, sejam rurais ou urbanas, cada uma com sua especificidade, com sua trajetória histórica, por mais que se encontre semelhanças há muito mais diferenças, contraditórias e mesmo divergentes.
Há na realidade política brasileira, reconhecida pela sociedade que conduz ao Estado ao reconhecimento da etnicidade remanescentes de quilombos ou seja os quilombolas, no ato constitucional. E a este cabe legalizá-la, já que a sociedade por meio da constituição a legitimou no momento da promulgação.
Ha na realidade científica brasileira a aproximação entre a realidade social, a realidade política para a construção do real científico. Como nós antropólogos nos aproximamos destas realidades face às construções teóricas e opções de estudos construímos uma realidade que no caso do índígenas Darcy Ribeiro chamou de "índio genérico" e Alcida Rita Ramos de "índio hiper-real". Assim construímos uma etnicidade "quilombola genérica".
Em um texto que circulou entre antropólogos vinculados ao GT Quilombos da ABA, Ilka Boaventura Leite ao discutir as Humanidades Insurgentes aponta para a categoria que entendemos como quilombola. Mais que pensar em identidade, há que pensar em etnicidade, as clivagens entre um conceito e outro são linhas ténues que às vezes as imbricam e outras vezes as recobrem.
É possível extrair do texto acima mencionado a seguinte definição:

Etnicidade Quilombola Brasileira

1. Identidade social construída a partir da presença majoritária de negros;

2. Vínculo a um espaço socialmente construído pelo uso e usufruto desde os antepassados, com referências ambientais, com manejo do ecossistema, com marcações sociais e simbólicas que narram a historicidade do grupo;

3. Práticas coletivas de uso e usufruto das terras;

4. Pertencimento a um "nós" que se constitui em um determinado espaço socialmente defendido para manter a territorialidade negra.

LEITE, Ilka Boaventura. Humanidades Insurgentes: conflitos e criminalização dos quilombos. Florianópolis: UFSC/NUER, 2008 (mimeo).

É a partir dessas dinâmicas que nos cabe ler a etnicidade específica de cada comunidade com a qual trabalhamos. Nem eles mesmos têm muitas vezes a compreensão do que seja. Se nem nós mesmos temos. Mas nas perspectiva metodológicas, epistemológica e hermenêutica nascida da discussões dos antropólogos americanos em confronto com o Geertz que se convencionou chamar "antropologia pós-moderna" e que Roberto Cardoso de Oliveira em seu livro "o trabalho do antropólogo" bem tratou. Esta perspectiva nasce da aproximação entre a antropologia e a análise de discurso de Bakhtin, da epistemologia de Dilthey, de Ricoeur, de Gadamer, de Appel dentre outros. A perspectiva da dialogia, num sentido radical em que realizamos uma dupla hermenêutica, quando aproximamos nossa compreensão de mundo (uma hermenêutica) com a compreensão de mundo do outro sujeito participante da pesquisa (a outra hermenêutica) enquanto estamos em campo e construimos por nos permitir deixar atravessar-nos por essas duas compreensões que articuladas fazem emergir uma outra compreensão, ou seja a hermenêutica apreendida "being there" falada por Geertz. Ao chegarmos aos nossos confortáveis locais acadêmicos de trabalhos vamos confrontar essa compreensão nascida no "trabalho de campo" com a compreensão compartilhada por nossos pares da "comunidade de argumentação e comunicação" que são nossos colegas antropólogos. A partir de discussões em corredores, mesas de bar, em congressos, palestras, salas de aula (nossa segunda hermenêutica) "being here", desenvolvemos nossa interpretação da realidade caótica que tornamos o real da ciência.
Um bom trabalho de campo feito assim, em que o pesquisador é um "broken" ou seja, um mediador, de saberes. Fazemos a tradução de nossas coisas e do mundo oficial para os sujeitos envolvidos na pesquisa, para depois fazermos a tradução das coisas deles, filtradas pelo nosso aparato conceitual, para o nosso mundo e o mundo oficial. Este é o trabalho que tanto é acadêmico quanto pericial. Por isto nós antropólogos somos chamados a fazermos perícias antroplógicas no caso dos quilombos, dos índios e de comunidades tradicionais. Temos a capacidade de traduzirmos, em dupla mão, realidades que colocamos em diálogo.
Em meu trabalho de campo em Brejo dos Crioulos, onde permaneci por seis meses não sequenciais num período de dois anos esta foi a prática adotada para a minha pesquisa. Chegando lá eles me disseram que ali tinha sido um quilombo no tempo dos crioulos, mas que eles eram, naquele momento histórico, morenos. A visão que tinha de quilombo era extremamente negativa diante da sociedade que os encapsulou a partir dos anos 1960, já que viviam em liberdade, extremamente ampla, no meio da floresta de caatinga arbórea e com uma autonomia, também amppla. O modo de vida era bastante distinto do vivido atualmente.
Como antropólogo para atender aos ditames de Mauss, procurei compreender a vida deles em sua inteireza e largueza para encontrar o "fato social total" que me propiciasse traduzir sua realidade para a academia. Só que em decorrência de minha condição de cidadão preocupado com a justiça e a solidariedade entre os brasileiros e os humanos, para não dizer outras coisas, mesmo que meu objeto de estudo, naquele momento, não fosse a questão que nos orienta no estudo de um quilombo, fui aos poucos traduzindo o mundo oficial, o mundo social e o mundo político para eles. Sei que saí do campo com uma compreensão e eles permaneceram com uma outra compreensão deles mesmos a partir de nossas conversações dialógicas. Quando decidiram, dois anos após minha saída do campo, a solicitarem o reconhecimento étnico e a regularização fundiária é que retornei ao campo e os encontrei com uma nova postura diante da vida. Entre eles, passaram a se ver com orgulho, a se valorizar como uma experiência histórica dos negros no Brasil, daí cresceu a resistência que alimenta a luta deles para verem concretizada no seu cotidiano os direitos dos quilombolas legalizados pelo Estado. Mesmo que demore muito, eles já não são mais aqueles que encontrei. E não são mais morenos, compreenderam a riqueza dos crioulos do passado, que estes são a fonte de sua fortaleza, da sua unidade, ainda que faccionalizada, e da sua historicidade no mundo. E se fizeram novamente crioulos, mas não como os antigos.
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